Salto existencial - parte III


3. Quando o mundo quebra.

Aquela era a verdade, quanto mais eu andava, mais me desprendia. A cada passo, entre os pulos da realidade, ela me levava na correnteza.

Caminho no meio da multidão de vendas e compras. Olho os letreiros e vejo os símbolos a brilharem em neon, uns em símbolos difusos que não entendo, outros em inglês. Frio, quente. Tudo se mistura quase como se a sinestesia fosse de cores. Vermelho, azul e roxo se misturam no aglomerado de vidas em efusão.

Continuo caminhando, era dia. O sol batia no rosto sem muita piedade. Irônico, quando cheguei em casa, era noite. Tentava prosseguir, agora a tentar cortar o fluxo de pessoas que se intensificavam. Vielas e ruas trepidando. Apertando e bloqueando, tento avançar agora de lado colocando força no corpo.

Sinto no peito o coração acelerando, tremendo, pulsando. Era difícil seguir, as pessoas se amassavam sem grandes espaços. Como se o vazio diminuísse lá fora, enquanto que por dentro de mim saltasse.

As gotas de suor brilham no rosto. Novamente a blusa se tornava molhada por conta do calor. Respiro, de novo ofegante. Continuo. Cada passo parece que quebra a realidade. Continuo.

O coração acelera em batidas que parecem sincronizar com o próprio mundo. Ao redor, o mundo parece se desmanchar, mas dessa vez, não completamente. Como se a realidade se curvar-se ao meu redor. Os rostos das pessoas me olham agora, talvez me percebendo pela primeira vez. Meu corpo esquenta, fervilhando. As pessoas se afastam, o mundo parece girar.

Tudo se mistura, se embaralha em minha mente. Escuto o rachar e ao olhar, vejo o calçamento a se partir nas plantas dos meus pés.

Tensão, parecia que todo o ar ao redor tinha se sobrecarregado de energia, em uma tempestade que se aproximava e me envolvia. Via o mundo a desacelerar, enquanto isso, eu permanecia. Ao redor, puras descargas de eletricidade se formavam e suas linhas pintavam lentamente a realidade. Como uma pintura em que se dobra, então as linhas entrecruzam a imagem, veias que distorcem a ambiente das cores, da textura.

Todo o tempo parece diluir, dilatar ao meu redor. Escuto, como se distantes, gritos e as pessoas a correrem assustadas. Vidros de apartamentos explodem, cacos saltam aos montões em ruas e piso.  No chão, as rachaduras se espalham, crescem em sons ocos e profundos.

Meu coração bate acelerado.

Dou alguns passos e as imagens se desmancham. A paisagem escorre por entre minha vista, quase como alguém a ver a água escapar entre os dedos. Ao surgir novamente, estou em outro canto, outro lugar. Cada vez mais distante de quem eu era, quem eu fui?

Parecia que quanto mais eu pensava em escapar de onde eu estava, mais distante ficava de mim mesmo. Ao longe, agora tudo estava longe, via os reflexos de mais casas, urbanas e rurais. Via em relances, em pulos, como se alguém apertasse rápido o botão e as fotos passassem rápidas na tela sem nunca perceber quem e o que era.

Pulos e mais pulos, entre mundos, realidades. Perdidos entre as linhas da própria existência, entre as nuances do real. Agora, tudo se mistura.  Como se todas as fotos se mostrassem umas, unas. Quente, frio, azul, vermelho. Sinestésicas, a misturar-se. Cada foto enrolando-se com a outra a virar-se um filme sem significados. Solto e perdido.

O coração bate desenfreado, respiração pesada, rápida. Corpo quente. Seco. Me sinto agora a perder-se, de mim, de todos. Grito em um pulo, em busca de me conectar a tudo. A voltar a mim mesmo.

Grito, e em um susto, caio da cama.

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