Salto existencial - Parte I


1. Mundo em vertigem


Todo munda já quis alguma vez na vida estar em algum outro lugar. É quase como o sonho humano de voar. Poder, sem ajuda de máquinas, romper as nuvens e quebrar a barreira da gravidade que nos separa do céu e da imensidão azul. Mas, se há um outro poder semelhantemente desejado, é de estar em outro lugar. Como em um flash desmanchar o cenário ao redor e ver-se surgir um outro mundo, quase como um salto em um brincar de cordas, onde ao saltar, muda-se como no jogo os mundos ao seu redor. É um sonho nacional, porém visto como inalcançável, será?


 Por um milésimo de segundos, o mundo se borra, o cenário se desconstrói e muda, se desmanchando diante de meus olhos e sinto como se fosse puxado de dentro da barriga contra mim mesmo, sendo virado ao avesso. Então, tudo para. Meio tonto, sinto a comida voltar e quase por um impulso levo a mão a boca em uma tentativa de impedir o vômito que se aproxima, ato falho, ele vem e eu vomito. No desespero, escolho qualquer cantinho menos visível e despejo o resto do almoço.

Terminado a sujeira, me levanto ainda a contragosto. O estomago ainda se contrai e dói um pouco, respiro fundo e ignoro, vai passar com o tempo. Com uma mão no rosto, a bocejar e a esconder o cansaço da noite mal dormida, caminho a lentos passos até a borda do prédio. Sem muito o que fazer, me sento e deixo as pernas balançarem. Fecho os olhos e deixo meu corpo sentir o vento forte que bate, sentir seu toco sobre a minha pele e sobre a blusa meio frouxa que visto. Senti-lo a subir pelo meu rosto, massageando e arrepiando, indo por cada canto da pele e a espatifar o meu cabelo preto.
Abro os olhos, era o terraço de um prédio qualquer de uma cidade movimentada. Por longos minutos, paro para somente observar a cidade efervescente que borbulha de vida em ápices de emoção.

Começo do todo, primeiro olhando tudo da cidade. Ali de cima paro para ver como o sol do entardecer, com suas cores avermelhadas, banha a cidade. Quase como uma capa a cobrir os prédios e a misturar com suas cores acinzentadas de uma vida corrida, seu entornar novo. A cidade inteira vai aos poucos diminuindo a prédio, um após o outro, lendo suas diversidades.

Enquanto isso, pessoas passam inconscientes nas ruas. Olhando para elas, vejo como um grande formigueiro de pessoas. Cada uma delas pulando de galho em galho, sonho a sonho, “eu” a “eu”. Resinificando-se a cada dia, novos. Mas enfim, não estou aqui para grandes digressões filosóficas. Estou aqui para olhar a paisagem e a apreciar a vista, talvez também esquecer um pouco os problemas.

Uma última vez antes de “saltar” paro para ver o mar a se chocar contra a praia. De onde estou ainda é longe da praia, mas tenho uma boa vista, presente da altura. Lá no longe, há o profundo mar e todo a imensidão dele a nos cerca. Não escuto o marejar do mar, mas tenho que certeza que ele está lá. O chocar profundo de duas forças opostas, dois desejos em sobreposição. De um lado, as rochas e a praia, do outro, o mar. Aquela devia ser alguma cidade litorânea do nordeste do país, talvez Fortaleza ou Recife, não lembro.

Aos poucos escurece, queria eu parar mais um pedaço e observar o céu estrelado, ver os pontilhos das estrelas no negro do céu, infelizmente, não tenho muito mais tempo. Por isso, caminho lentamente até a direção da porta, no outro lado do terraço. Ao chegar lá, respiro fundo, criando a confiança necessária, sempre a mesma coisa.

Meus músculos se erijam e se movem. Corro, em uma corrida intensa em direção a borda.  Em uma boa velocidade, sinto meu coração se acelerar, o ar a entrar forte no peito a quase queimar. Em maratona, chego ao fim da grande estrutura onde estou e pulo e voou. Por minutos, sinto meu corpo a pairar acima do ar, o vento a me propulsionar a mais além. Até que a gravidade reage e eu despenco.

Por uma segunda vez, sinto meu corpo a ser puxado por uma força maior do que eu. Em queda livre, meu coração dispara a quase voltar a boca junto com o vômito. Em palpitações intensas, ardentes. Agora o vento bate em meu rosto em intensidade, a pressionar meu rosto a uma parede invisível a frente.

Queda, o mundo parece disperso enquanto que o calçamento se aproxima mais e mais, a cada batida do peito ele se torna maior, real. Respiro fundo, o ar entra ardendo no pulmão. Me concentro e fecho os olhos. Sinto o vento a martelar em meu ouvido com seu lamurio. Meu corpo a se enrijecer em preparação ao impacto. Todo meu corpo treme ao antever o momento, o gran finale.

Então abro os olhos e estou em meu quarto. Nada de queda, nada de movimento. Depois de ter certeza que realmente estou aqui, sinto o estomago a revirar de novo. O ácido da comida, o que restou dela, o liquido volta a boca ardendo, porém dessa vez, consigo segurar a vontade de o despeja-lo ali mesmo no chão. Me jogo na cama, deu certo, realmente.

Depois de alguns momentos, me levanto da cama com um sorriso hora de ir, tenho muita atividade acumulada.



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