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Mostrando postagens de maio, 2020

Salto existencial - parte IV

4. Acordar Dou um salto ainda soltando o grito preso na garganta, um grito de ajuda. Seco. O quarto estava ainda escuro, sombrio. A não ser pela luz do celular, antes no peito, agora no chão. Um único brilho difuso e fantasmagórico contra a escuridão. Respiro aliviado, voltei. Ou não, não sei. Ainda escuto vindo do celular do chão a notícia de tubos de gás que se romperam na China e em diversos países do mundo, simultaneamente. Os efeitos ainda estão sendo testados e as causas investigadas. Ao que parece, o mínimo dos efeitos fora alucinação. Coloco a mão na cabeça para ajeitar o cabelo. Guardo o celular. Me viro e vou dormir. Todos sonham com outras realidades, talvez... se as mudarmos, nos perdemos no processo.

Salto existencial - parte III

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Imagem de  Ich bin dann mal raus hier.  por  Pixabay 3. Quando o mundo quebra. Aquela era a verdade, quanto mais eu andava, mais me desprendia. A cada passo, entre os pulos da realidade, ela me levava na correnteza. Caminho no meio da multidão de vendas e compras. Olho os letreiros e vejo os símbolos a brilharem em neon, uns em símbolos difusos que não entendo, outros em inglês. Frio, quente. Tudo se mistura quase como se a sinestesia fosse de cores. Vermelho, azul e roxo se misturam no aglomerado de vidas em efusão. Continuo caminhando, era dia. O sol batia no rosto sem muita piedade. Irônico, quando cheguei em casa, era noite. Tentava prosseguir, agora a tentar cortar o fluxo de pessoas que se intensificavam. Vielas e ruas trepidando. Apertando e bloqueando, tento avançar agora de lado colocando força no corpo. Sinto no peito o coração acelerando, tremendo, pulsando. Era difícil seguir, as pessoas se amassavam sem grandes espaços. Como se o vazio diminuísse lá fora, e...

Quando chove

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No princípio, era escuro. Então, choveu. Começou fraco, gotinhas soltas contra o telhado, pequenas e tímidas. Esse foi o começo. Conforme os minutos seguiam, ela deixou de ser acanhada e sorriu mais, deu olá para o teto, ruas, avenidas e riu. Primeiro eram batidas separadas, rareadas. Depois, mais e mais. Porém, o garoto na cama escutou desde o seu começo. Naquela noite, não dormiu direito. Permaneceu acordado, com o olhar no telhado, mesmo que não o visse. Talvez fosse cansaço, não sei. De quê? Pergunta a si. Ele respira fundo, a noite é dos vagabundos e poetas, mesmo que ele não seja nenhum dos dois. Sem muito o que fazer, fecha os olhos e escuto. Aí, começa o negro, seus olhos fechados, depois, a sinestesia de tudo. No escuro, ele via os pingos no telhado, quase nele, acho que alguns realmente estavam. No escuro, a cada pingo, pintava de uma cor. Ele via os pingos caírem e sentia seu choque. Imagens borbulham na mente, abstratas. Mudanças de cores e sensações, aquil...

Salto existencial - Parte II

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Imagem de  PublicDomainPictures  por  Pixabay   2. Desprendimento. Entro cansado no quarto, a porta meio aberta deixa passar uma meia luz do corredor para dentro do pesado recinto. Sem muita coragem jogo a bolsa em algum canto e me sento na cama. Cabeça pesada, olhos doídos, sentimentos ruins.   No fim, a bolsa não permanece no mesmo lugar. Por obrigação, pego-a, abro os livros e cadernos. Outra atividade, mais trabalhos. Infelizmente, não posso admitir minha total atenção, o pé batia apreçado no piso e os olhos teimavam a pular para qualquer detalhe banal que surgia pelo cômodo, desde a leve poeira que se acumulava na quina à pequena rachadura na parede, uma cicatriz cinza no azul claro que a envolve. Por fim, sem mais aguentar, jogo a cabeça por sobre a cama. Fecho os olhos, leve. Sinto o calor do quarto abafado, já que é um pequeno apartamento para universitários. Minhas roupas ainda estavam um pouco suadas, tive que andar alguns bons metros...

Salto existencial - Parte I

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Imagem de Free-Photos por Pixabay 1.  Mundo em vertigem Todo munda já quis alguma vez na vida estar em algum outro lugar. É quase como o sonho humano de voar. Poder, sem ajuda de máquinas, romper as nuvens e quebrar a barreira da gravidade que nos separa do céu e da imensidão azul. Mas, se há um outro poder semelhantemente desejado, é de estar em outro lugar. Como em um flash desmanchar o cenário ao redor e ver-se surgir um outro mundo, quase como um salto em um brincar de cordas, onde ao saltar, muda-se como no jogo os mundos ao seu redor. É um sonho nacional, porém visto como inalcançável, será?   Por um milésimo de segundos, o mundo se borra, o cenário se desconstrói e muda, se desmanchando diante de meus olhos e sinto como se fosse puxado de dentro da barriga contra mim mesmo, sendo virado ao avesso. Então, tudo para. Meio tonto, sinto a comida voltar e quase por um impulso levo a mão a boca em uma tentativa de impedir o vômito que se aproxima, ato falho, ele...

Inacabados

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Eram 6 horas e a rua já começava a escurecer. Os raios amarelados batiam no meu rosto, o que não me impedia de continuar, na verdade, me fazia ir mais além. Enfim, era realmente isso o que eu queria e quero, distração. Um momento de lucidez. Acredito que essa deve ser a hora de contar-lhes o meu destino, mas não tenho um. Por isso, lhes direi o cenário. Era uma rua movimentada de uma cidade razoavelmente grande. Nesse horas da tarde, o horário de pico, as pessoas já saem de seus trabalhos e pipocam as ruas com seus carros. Pergunto-me se elas também sabem para onde vão, se para casa, já é um enorme progresso. Bom meus amigos, talvez esse seja o grande motivo para essas linhas, a falta de um destino. Um que faça tudo surgir com um sentido. Essa palavra me incomoda, sentido, nunca soube o que significa e nem sei se algum dia fará, ironicamente, um sentido. Imagem de Free-Photos por Pixabay

Bamba corda

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O vento batia forte em seu rosto trazendo a poeira e lhe desconcentrando. Suas pernas doíam, quase como se fossem de metal. A linha fina machuca a planta de seu pé com uma dor aguda, constante. Cansaço, se houvesse uma palavra para definir tudo isso seria essa. Ele dava mais um passo, só mais um, depois outro. Ele já sentia a linha vermelha que se formava no pé. O pior não era a dor, nem o vento que não cessava de se chocar contra sua face, nem suas pernas quase de manteiga e nem falando da altura que continuava a chama-lo para um abraco, um último de despedida. Um fim. O pior eram os ovos que ele carregava na mão. Vários pelo corpo. Cada passo fazia pressão contra eles, porém não poderiam ser quebrado, ele não poderia quebra-los. Tinha que segurar, tinha que se quebrar antes. Fazer seu corpo arder, eles não. Seus olhos se voltam ao precipício a escutar o augúrio do vento nas rochas, a cantar uma melodia trágica, canções ocas e ecoadas, lamúrias de uma altura onde o chão ...