O você da história


“Nesta história és o personagem principal. ”

Teus olhos se abrem devagar e você acorda. Respira e és inundado por um ar frio que pedra aos poucos teus pulmões em uma sensação estranha e inovadora, mas totalmente inesperada. Aos poucos retomas os sentidos de teu próprio corpo e, um pouco tonto, levantas. Imediatamente o frio inunda-te em um abraço gélido. Os sentidos retomam e percebes a brancura a cobrir o chão como um tapete.

Olhas para si próprio e vês uma roupa grossa e preta de couro, manchada de branco, a neve. Lentamente perdes o interesse em ti e fitas surpreso a paisagem que fisga a tua atenção e prende-te abismado.
O vento frio sopra em teu rosto em um toque suave e manso. Do céu, desprendem flocos cristalinos e modelados. Árvores crescem frondosas e salpicadas, como em enfeite, em uma mistura intensa, ao mesmo que, harmônica de verde, azul e ciano.

A imensidão do céu azul encaixa-se com o brilho meticuloso do sol que, mansamente, retoca a claridade do local em uma amenidade ideal. Parece que tudo se encaixa em uma perfeição quase divina, cada pedra, árvore e floco, a cair do céu, tudo a renovar-se e a intensificar-se numa mistura de cores, tons e belezas.
Ao teu lado avistas um pequeno lago de águas claras, paradas e mansas, refletindo o céu e as nuvens que o pintam, um espelho feito pela própria natureza.  Tu caminhas em direção dele, teus sapatos a jogarem neve ao lado e a afundarem nela. Olhas intensamente para o pequeno lago, o mesmo permanece quieto com uma fina linha de gelo ao topo.

A cada passo mais perto, encaras a ti refletido, cada detalhe e traço como em uma pintura a óleo. Primeiro, reparas em tuas falhas, a espinha que não saiu, a boca, nariz e outras que são em diversos tantos maiores ou menores, manchas e imperfeições. Vãs, pois nos segundos que se cercam aprecia a ti próprio. Dessa vez, não atentas as ditas falhas, olhas para o que realmente és e constatas o que realmente importa, tu próprio. Contemplas a ti, como a vê tua própria alma, ao refletir no lago.

Tu ficas em pé, com a mão na vida, a olhar, de um lado, as imensas montanhas a tocarem a abóboda celeste, quase a desafiarem todos a uma competição de altura. Seus corpos pedregosos e escarpados a serem revestidos de preto, marrom e alabastrino.

De outro, quase a contrapor, ergue-se os altos prédios que, não menos impressionantes, mancham o horizonte. Reluzindo ao sol, a cidade mostra a si. Com milhares de estrelas a brilhar, mesmo que de dia, revelando pessoas, desejos e amores.

Balança de mesmo peso, razão e emoção, cérebro e coração, alma e espírito, montanhas e cidades.
Progressivamente, as coisas tornam-se mais belas, cada floco a cair, grama crescendo e rompendo o véu, pedra e árvore. Paisagem esquecida, naquele amplo espaço, todo dia vista, mas nunca reparada.

De pouco em pouco, teus olhos a fechar embaçam a vista. Tudo perde o foco e sentes teu corpo a fugir. Teus olhos fecham e você dorme – ou acorda – perdendo-te vives e no fim o sonho termina, as letras acabam e o livro é fechado.

Imagem de David Mark por Pixabay

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Entre máscaras e tiros - Parte II

O desafio dos sonhos

Depois das cortinas