A batalha de Monte Castello


21 de Fevereiro de 1945.

O clima estava tenso naquele caminhão, via-se a ansiedade, tensão e principalmente o medo. Sentíamos os finos dedos da morte se aproximando, seu manto de pavor encobre-nos tornando os nervos à flor da pele. Estávamos diante de um combate decisivo. O coração batendo acelerado no peito, me obriga a respirar fundo e, com os olhos fechados, relaxar. O caminhão para com um solavanco e aos poucos os soldados pulam em direção ao chão e se veem diante da presença sufocante do Monte Castello, principal alvo da investida.

O monte permanecia imponente com sua fortaleza e cidade no cume. Uma montanha de aço, inabalável e imbatível como as portas do próprio tártaro.

Quem somos? Soldados brasileiros em solo italiano, guerreiros a lutar uma guerra de outros. Antes que pergunte, não direi meu nome. Não sou um super-herói, mas um ninguém, perdido no meio da multidão, esquecido como tantos outros. Os pés dos heróis que lutam suas batalhas e que são deixados de fora dos livros de história. É isso que sou, alguém não lembrado.

Nos preparamos. Os homens de brasão de cobra checam os armamentos, munições e alimentos. Já prontos, corremos em direção da montanha. Teríamos que ser rápidos e conquistar o máximo de terreno antes de sermos detectados pelos soldados alemães que guarnecem a fortaleza.

Com o coração a palpitar, subo o monte junto dos outros soldados que agora dividem-se em três batalhões, avançando em direções diferentes do terreno que não é escarpado, mas sim um pouco declivo.

O pandemônio se inicia, os rugidos dos morteiros ressoam. Os alemães avistam-nos e com metralhadoras em punho estrondam as balas em gargalhadas histéricas. Nos dividimos em pequenos esquadrões em busca de salvar-nos. Jogo-me a leiva, com a vida por um fio. Os guerrilheiros inimigos concentram o fogo em nossa direção, os projéteis das metralhadoras, canhões e morteiros cortam o céu, sedentos por sangue, em forma de feras metálicas.

O medo invade meu ser, o pavor me agarra e sinto a desmanchar minha sanidade em uma insânia mórbida. Respiro desesperadamente, quase a me afogar. A insanidade bate à porta com braços abertos para um abraço interminável.

O chão treme ao receber as contínuas explosões das quimeras do século XX. As rajadas de ar causadas pelas setas bagunçam meu cabelo, o ar denso com nuvens de poeira encobre a visão. A bala de um morteiro explode perto de mim, sou jogado longe, foi perto demais.

Cada músculo grita em agonia calcinante, os ossos rangem e todo o meu corpo irrompe em dor. Grito como se cada célula explodisse. Escuto um zunido agudo. Levando a mão ao ouvido, percebo-o sujo de sangue, ele sangrava. Manchas negras surgem na visão, algo revira na barriga, não aguento e vomito. Parece que tudo desapareceu e fiquei sozinho em minhas dores, aquele segundo durou uma eternidade.

Aos poucos os sentidos começam a voltar, a dor diminui um pouco, mas ainda estava totalmente tonto e desorientado. Não podia ficar ali, deixo com que minha adrenalina cresça e resistindo ao descontentamento de meu corpo, me arrasto para o buraco mais próximo, de lá consigo ver o estado do combate.

Nossos morteiros e canhões localizados abaixo do monte revidam, seus tiros alvejam mortalmente a fortaleza. Os aviões da FAB dançam no ar cuspindo, como grandes dragões, suas chamas metálicas. Os soldados, aproveitando a pausa, avançam em uma corrida desesperada, atirando e obrigando os soldados arianos a esconderem-se. As chamas, poeira e escombros representam tudo. Explosões e tiros esburacam a terra já ferida, arada pela máquina de guerra. Sangue manchava todo o caminho percorrido pelo batalhão, corpos inertes e sem vida, jogados. O prosseguimento dali em diante ocorre de maneira lenta, em uma reveza entre ataques.

Por fim, tudo muda. Uma bola de fogo, oriunda de algum canhão, rasga ao meio a abóboda celeste e, caindo em direção da grande e sólida muralha da fortificação, explode lançando os pedaços de pedras aos ares. Alguns fragmentos do muro desmoronam com o impacto. Um grande buraco havia sido feito no formidável paredão. O chão treme ao ressoar daquele ataque, quase como se fosse o próprio Zeus a lançar seu raio mestre. Todos sentem os efeitos sísmicos daquele golpe, o estrondo era ensurdecedor.

Os pracinhas, vendo a oportunidade, investem na brecha feita. Os soldados nazistas desorientados não conseguem responder à altura os ataques brasileiros. Eu, em minha posição, mesmo que ainda ferido, apoio a arma no chão e atiro em uma tentativa de suporte. Cada tiro estronda nos meus ouvidos e cada coice da arma provoca um gemido de dor dos músculos já cansados, mas não havia tempo para perder. Os guerreiros das terras tupiniquins continuam o assalto com toda sua força. Cobertos por fumaças de óleo diesel e lixo que eles mesmos queimaram, dominam o terreno sem serem identificados. Dançando em uma dança mortal, envoltos pelas chamas que rodeiam o monte, eles correm em direção da vitória. Os soldados atravessam, o Monte Castello cai.

Imagem de ThePixelman por Pixabay

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Entre máscaras e tiros - Parte II

O desafio dos sonhos

Depois das cortinas