O tom da insônia
Depois de horas de insônia, quando o cansaço realmente bate
e o sono expira, percebo que tudo tem um tom. Cada batida variante de altura a intensidade,
cada clique e tique do relógio a marcar mais e mais horas, tempo e tempo, sono
e sono, vida e vida. Vida e fim.
E a cada tique parecia que eu em agonia era obrigado a olhar
ainda mais para o teto preso ao meu mundo de pensamentos, que como todo outro
som tem tom. E o escuto, fragmentado e a ressoar na mente, cada pensamento
borbulhante e tremeluzente que me cega, cada reação química, cada lapso do meu
próprio tempo em pensamento. Para outros, horas, para mim séculos.
Séculos de mim mesmo em mim. Em um mundo meu, pensando em
cada passo que fiz cada acerto e feito ou erro. Tudo, o que me faz e que me
permiti me chamar de eu. Partes incoerentes, pedaços de um todo espalhado que
em síntese, sou. Que misturadas e embaralhadas tentam criar algum significado, tudo
para mim. Porque, no fim, realmente era eu.
Nesse grande vislumbre, tudo é tom. Cada coisa que minha
cansada mente recordar, cada coisa possui um tom, tonalidades de cores e sons.
Batidas no peito que fazem as moléculas do ar vibrar em uma intensidade, um
timbre, um algo.
Tons e mais tons no meio de um cinza mundo. Cada uma delas,
cada ação é um tom. Cada gesto e aceno. Um verdadeiro pedaço com sua
tonalidade, menor ou maior, melancólico ou alegre. Cada nota levando ao outro e
assim a própria música se faz. Vindo sempre a passagem, do Dó ao sol e, enfim,
ao Fá. Cada passo levando a outro e cada batida a impulsionar outra.
Cada atitude tomada e gesto feito, escolhas em vida, no meio
de tantas idas, cruzadas pelas muitas vindas. Tudo é a modulação, de um ao
outro. De nós a eles e deles ao fim.
No fim, enquanto o ar entra e sai pelo labirinto da
respiração, percebo que tudo é tom e cada tom, música. Nós como grandes partes
integrantes da orquestra, a harmonia de um universo enorme, de relento e lento.
Vibramos em tons, em tonalidade, em intensidade e timbre.
Não existindo uma nota diferente ou nova, fazemos a
repetição das mesmas notas, do mesmo som, do mesmo tom. Sem notas novas, sem
tom novo ou acordes, somos novos. Pela própria interpretação que temos da
batida do peito. Somos novos, porque fazemos os tons serem nós. Damos a
interpretação que merecemos, que temos. Fazemos o enorme progresso de sermos
além de meros formalismos, de sermos um oceano profundo, além de meras descargas
elétricas e reações químicas. Acho que simplesmente somos.
Damos a cor a nossa tonalidade e ao tom de nossas ações o
nosso. Percebo que cada batida é um tom, cada ação um som e nós, como músicas,
o somos.
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