Vida


No meio da tempestade, uma pessoa grita. Uma única explosão de ímpeto de sentimentos que transbordam e se sobressaem inaudíveis no temporal. Uma carga de voz que sai inescrutável diante do barulho do caminho. Ele, porém, continua caminhando. Um passo por vez, nada além disso. Seus olhos não conseguem ver o longe futuro. Ele, naquele estado, só consegue ver o segundo a sua frente, nada mais.

Ele continua. Suas mãos encolhidas perto do peito. Uma delas a segurar e a outra a proteger uma pequena chama, labaredas minúsculas que cintilam e dançam diante de sua mão. Perto do coração elas se misturam com o próprio órgão e pulsam freneticamente, duas batidas por vez. Batida a batida e se sobressaem. Porém, a bela chama diminui sua intensidade.

A tempestade continua frenética, gotas que se lançam a terra em um único respirar, abraçando-a. A chuva não para, pelo contrário, continua numa torrencial, como se as nuvens negras se desfiassem e, lançando seus fios a terra, permanecessem lá. Ele continua. Seu pulmão arfando, o sangue correndo e, no peito, a chama batendo. Suas costas sentem o peso das responsabilidades, deveres, anseios e almejos. O peso da tempestade, vida e ida.

Ele olha ao redor e tudo o que vê é o azul escuro na terra, no céu e em si. Azul que é interrompido pelos raios que cortam o céu. Um grande corte branco que divide a cúpula celeste, uma rachadura na bacia cinzenta. O clarão cega-lhe os olhos e ele cai, uma queda ao sentir o impacto do grande martelo. Sentindo a força da som, da tempestade, da existência.

Se levanta tonto, cansado e continua. Ele se sentia fatigado, moído pela pressão e indecisão. O vento forte a clamar no ouvido, rodando, rodopiando e perguntando. O que fazer e como seguir, o vento grita. Porém, ele continua.

Não era a hora de parar. Apertando ainda mais contra o peito a chama, ele obriga os pés a darem mais um passo. Sabia que no momento que a chama apagasse ele terminaria, ou caminharia uma jornada sem luz e alegria, talvez seja isso o quê seja a chama. Alegria, que se mistura com as batidas no peito.

Vento. Chuva. Trovões e relâmpagos. Batidas. Brilho e passos e mais passos. Ele sente a pressão e isso é o que significa caminhar – viver. Forçando os olhos ele, ao longe, vê um único e belo fecho de luz. Uma seta brilhante fincada na terra. O ponto brilhante no meio do azul, esperança.

Sorri, a chama aumenta. Ele sabe que está perto do fim, já virá muitas outras tempestades, elas vêm e passam, nós ficamos.

Ele sente. Sente a pressão da tormenta, há chama e brilho – alegria. Escuta o vento, incertezas e dúvidas, desvaler – vida. Sente as gotas escorrendo na face, chuva e azul – esperança. No fim, a tempestade passa e existe luz. A chama brilha e bate no peito.

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